sexta-feira, agosto 02, 2013

“Senhor, concede-me sabedoria!”

Vivemos em um mundo complexo, profundamente marcado por problemas variados e difíceis de ser resolvidos. Desafios éticos e religiosos e demandas nas áreas política e econômica se agigantam diante de nós. Não só isso: testemunhamos também a crescente problemática no âmbito da segurança, educação e saúde. Como se não bastasse, o mundo natural, com sua crise ecológica, parece ameaçar a própria existência da humanidade e dos demais seres vivos. Um “fantasma” multifacetado paira sobre a atmosfera terrestre e, com isso, o clamor da sociedade pede uma solução daqueles que detêm o poder, os recursos, o saber e os métodos. A natureza e o volume de tais problemas confrontam as mentes mais hábeis e inteligentes, desafiando-as a agir com prontidão e conhecimento, mas, sobretudo, com sabedoria – esta última, o elemento-chave que deve estar presente na vida de toda pessoa chamada para dar sua contribuição a uma sociedade cada vez mais conturbada. Todavia, as grandes necessidades humanas são numerosas em comparação com as poucas mentes privilegiadas. Há cada vez mais carência de seres humanos sábios.

Alguém acertadamente refletiu: “Nosso mundo contemporâneo tem produzido gigantes intelectuais, mas anões em sabedoria.” Isso significa que a inteligência e o progresso tecnológico não estão sendo suficientes para enfrentarmos as crises deste planeta. É necessário o plus da sabedoria. Precisamos de pessoas diferentes, que enxerguem além das aparências e contemplem o invisível. Não que a inteligência e as habilidades técnicas sejam desprezadas, mas que as pessoas guiem-se por ações entremeadas de sabedoria. No entanto, o que é a sabedoria? Como adquiri-la? Onde encontrá-la? Na busca de respostas, não recorreremos nem a definições dicionarizadas nem a conceitos filosóficos que tornam a sabedoria uma abstração. Consultemos a Bíblia, o Livro da mais elevada sabedoria, o qual nos mostra a natureza, o valor para a vida prática e a Fonte dessa virtude. Vamos nos reportar à incrível história bíblica de Salomão, registrada no livro de 1 Reis, capítulo 3.

Com a morte de seu pai, o rei Davi, Salomão assume o trono de Israel. O novo monarca estava apreensivo e muito preocupado diante da grandiosa tarefa que lhe cabia: governar uma nação inteira marcada por conflitos internos e crises. Diante da responsabilidade enorme, sentia-se inexperiente e impotente. Foi quando, certa noite, falou-lhe Deus em sonhos, concedendo-lhe a oportunidade de fazer o pedido que desejasse. Salomão, de pronto, agarrando a chance áurea, respondeu a Deus: “Teu servo está no meio do Teu povo que elegeste, povo grande, que nem se pode contar, nem numerar, pela sua multidão. Portanto, dá ao Teu servo um coração entendido para julgar o Teu povo, para prudentemente discernir entre o bem e o mal” (1Rs 3:8, 9).

O relato continua dizendo que o pedido de Salomão pareceu bom aos olhos de Deus. Por causa disso, o Senhor lhe deu não só um coração sábio, mas até mesmo o que não havia solicitado: riquezas, fama, glória, poder e inteligência singular. Fascinante, não? Quem não gostaria de receber de Deus algo assim? É possível a história desse rei se repetir em nossa experiência? O pedido de Salomão ficou imortalizado na Bíblia por um motivo: indicar a chave que abre as portas de todos os demais tesouros do mundo. Seguindo os passos do rei, caminhemos em busca dessa mesma sabedoria que ele alcançou.

Primeiro ponto: em que constitui a sabedoria? A sabedoria que vem do alto é claramente definida na Bíblia como “primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia” (Tg 3:17). Na história de Salomão, que pode ser a nossa, ele especifica seu pedido: “Dá a teu servo um coração entendido, [...] para prudentemente discernir entre o bem e o mal” (1Rs 3:3). Aqui se encontram, resumidamente, as características de uma pessoa sábia. Não é aquela que possui erudição destacada ou conhecimento enciclopédico, mas a que, mesmo humilde e sem ser notada, é capaz de perceber o bem e a verdade, discernindo o mal e evitando-o. No pensamento de Alister McGrath, professor de Oxford, a sabedoria está caracterizada assim: “Os autores do mundo antigo [...] faziam uma distinção que nossa era moderna parece ter esquecido – a distinção entre ‘conhecimento’ e ‘sabedoria’. Conhecimento é a acumulação de fatos; sabedoria é ser transformado com base no que é verdadeiro e realmente importante. Na linguagem da tradição clássica, a sabedoria é afetiva, isto é, ela muda quem a procura ao colocá-lo em sua órbita e sob sua influência transformadora. A sabedoria muda as pessoas. ‘O conhecimento vem, mas a sabedoria perdura’ (Tennyson).”

Não é estranho pensar que Deus Se aproxima de nós quando estamos, assim como Salomão, aflitos por uma resposta diante de um grande problema. Em nossos “sonhos”, talvez perturbados pelas preocupações, Deus pode Se apresentar e dizer: “Pede-Me o que queres que Eu te dê”, com o intuito de oferecer a dádiva mais preciosa – um coração cheio de entendimento. Assim como Ele Se revelou ao filho de Davi, deseja Se manifestar a cada pessoa. Apelando ao nosso livre-arbítrio, oferece a oportunidade de escolha. Logo, se você se sente como Salomão, um menino pequeno, que não sabe como sair nem como entrar nas mais diversas situações, aproveite a oportunidade de Deus e faça sua súplica. É Ele mesmo quem garante na Palavra: “Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça a Deus, que a todos dá liberalmente” (Tg 1:5). Pedir, portanto, é a primeira atitude sábia.

Depois de compreender o que é a sabedoria e de solicitar a Deus esse dom, precisamos praticá-la em cada momento da vida, principalmente naqueles mais complicados, quando teremos de realizar julgamentos, proferir sentenças, fazer escolhas delicadas, decidir entre vários caminhos. Nesses instantes, o olhar sábio verá o que ninguém consegue enxergar, proporcionando saída quando aparentemente não existe solução.

Voltando ao caso de Salomão, perceba como ele conseguiu resolver uma causa bastante complexa entre duas mulheres que se diziam mãe da mesma criança (1Rs 3:16-28). Sabiamente, o monarca conseguiu penetrar na questão com discernimento e profundidade, alcançando o resultado esperado: a vitória do bem e da justiça. Que habilidade! De igual modo, onde estivermos – seja no lar, no exercício da profissão ou sob qualquer circunstância – teremos que nos defrontar com questões das quais desejaremos fugir. Nesses instantes, a sabedoria divina será bem-vinda e, de forma bastante prática, salvará a situação de um desastre ou de uma injustiça.

Foi o que ocorreu nesta brevíssima narrativa, contada por Salomão: “Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes tranqueiras. Ora, vivia nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria. Mas ninguém se lembrou mais daquele homem. Então eu disse: Melhor é a sabedoria do que a força” (Ec 9:13-15).

Não se podem resolver os problemas, por maiores que sejam, fazendo mero uso da força ou de outros expedientes. Seja no ataque ou na defesa, nossa arma mais eficaz é a sabedoria provida por Deus. Com ela, você é apto a salvar uma “cidade inteira” dos invasores mais temíveis, trazendo salvação quando não há expectativa alguma. O sábio, embora pobre, frágil e desconhecido, não foge diante dos gigantes ameaçadores da vida. Enfrenta-os e vence-os!

Quem é sábio converte a morte em vida e o mal em bem; aponta a saída do labirinto e é a luz no meio das trevas. Pois neste mundo de loucura, quando a maioria age com insensatez, “o coração do sábio discernirá o tempo e o modo, embora o mal do homem seja grande sobre ele” (Ec 8:6). A sabedoria não se limita ao mundo teórico das ideias. Por isso, praticá-la é a segunda atitude de um sábio.

Uma certeza que precisamos pôr em mente é que a sabedoria é pessoal, está representada em um Ser divino; possui identidade. Esse Ser – não os livros, a Filosofia ou os grandes homens e mulheres do mundo – é a Fonte da sabedoria. Observe a Sabedoria Se apresentando nesta belíssima alegoria, expressa em Provérbios 8: “O Senhor Me possuía no início de Sua obra, antes de Suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes do começo da Terra. Antes de haver abismos, Eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de água. [...] Ainda Ele não tinha feito a Terra, nem as amplidões, nem sequer o princípio do pó do mundo. Quando Ele preparava os céus, aí estava Eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo; quando fixava ao mar o seu limite, para que as águas não traspassassem os seus limites; quando compunha os fundamentos da Terra; então Eu estava com Ele e era Seu Arquiteto.”

Essa passagem se refere a Jesus, o Verbo por meio do Qual todas as coisas foram criadas, o Logos de Deus. Acerca dEle é dito o seguinte: “O mundo tem tido seus grandes ensinadores, homens de poderoso intelecto e vasto poder investigativo, homens cujas palavras têm estimulado o pensamento e revelado extensos campos ao saber; tais homens têm sido honrados como guias e benfeitores do gênero humano; há, porém, Alguém que Se acha acima deles. Podemos delinear a série dos ensinadores do mundo, no passado, até ao ponto a que atingem os registros da História; a luz, porém, existiu antes deles. [...] Cada raio de pensamento, cada lampejo do intelecto, procede da Luz do mundo.” Estando no princípio de todas as coisas, criando o mundo e estendendo os céus, o Deus-sabedoria quer estar também presente no princípio de nossa vida para construir em nós um mundo belo, harmonioso, cujos fundamentos jamais sejam abalados. Daí Salomão recomendar: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9:10).

Diferentemente dos gregos, que a mantinham bem distanciada da humanidade, quase inatingível – algo muito abstrato –, a Sabedoria do pensamento hebraico, embora altíssima e grandiosa, procura manter conosco um relacionamento. Deseja ser conhecida de perto por todos nós. Assim como Ela foi pessoalmente a Salomão em sonhos, procura-nos onde estamos: “Não clama, porventura, a Sabedoria, e o Entendimento não faz ouvir a Sua voz? No cimo das alturas, junto ao caminho, nas encruzilhadas das veredas Ela Se coloca; junto às portas, à entrada da cidade, à entrada das portas está gritando: A vós outros, ó homens, clamo; e a Minha voz se dirige aos filhos dos homens.” Este Ser que nos chama é o próprio Deus.

Durante a fase da vida em que Salomão manteve comunhão com Deus, tornou-se afamado e reconhecido como um homem extremamente sábio. Afastando-se, porém, perdeu o discernimento espiritual e moral. Transformou-se num insensato, despertando bem mais tarde de sua loucura.

Não invertamos as nossas necessidades pedindo primeiramente riquezas, glória, poder e honra. Quem age dessa maneira jamais será uma pessoa sábia. Retomando a recomendação do próprio Salomão, não devemos jamais nos esquecer de que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. Logo, permitir que Deus ocupe o primeiro lugar em nossa vida, relacionando-nos com Ele, é a terceira atitude sábia.

“Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que Lhe agrada” (Ec 2:26). Em outras palavras, o Senhor deseja nos alimentar diariamente com sabedoria, provendo-nos a refeição que nos susterá em um mundo carente de valores, de amor, de justiça e de paz. Deus tenciona suprir nossa mente com pensamentos elevados e transformadores. Este é o banquete da sabedoria que já está preparado para aquele que pedir e for em busca de Sua morada, nas alturas: “A Sabedoria edificou a Sua casa, lavrou as Suas sete colunas, sacrificou os Seus animais, misturou o Seu vinho e arrumou a Sua mesa. Já deu ordens às Suas criadas e, assim, convida desde as alturas da cidade: Quem é simples, volte-se para aqui. Aos faltos de senso diz: Vinde, comei do Meu pão e bebei do vinho que misturei. Deixai os insensatos e vivei; andai pelo caminho do entendimento.”

Viver inteligentemente é alimentar-se de sabedoria. Se assim procedermos nesta breve existência, a sabedoria será para nós sombra sob o sol causticante (Ec 7:12), brilho na escuridão mental (Ec 8:1), felicidade na tristeza (Pv 3:13) e esperança de vida (Ec 7:12; Pv 8:35).

Ao pedir sabedoria a Deus, talvez Ele não lhe dê a riqueza, glória e o poder concedidos a Salomão. Contudo, a promessa para quem se comportar e pensar sabiamente é um lauto banquete no futuro, bem mais abundante do que aquele que é servido aqui. Por enquanto, peçamos a entrada, pois o prato principal está reservado para a hora certa. Não nos esqueçamos de que o melhor de um homem sábio sempre vem depois.

Se você encontrou a sabedoria, achou um tesouro. Se ainda não, se sente falta dela, faça da oração de Salomão a sua prece: “Senhor, concede-me sabedoria!”

(Frank de Souza Mangabeira é membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)