A
escritora britânica Karen Armstrong, de 68 anos, escreveu livros em que
denuncia o que ela chama de fundamentalismo religioso. Segundo ela,
fundamentalistas cristãos são aqueles que creem na literalidade do livro de
Gênesis, ou seja, os criacionistas. Ex-freira, Armstrong teve experiências
negativas no convento, abandonou o hábito e estudou literatura na Universidade
de Oxford. Depois disso, produziu documentários e escreveu livros que
investigam a história das grandes tradições religiosas. “A ética da compaixão é
o centro de todas essas grandes tradições, e é preciso retomá-la”, argumenta.
Por e-mail, ela disse à Folha de S. Paulo que o ateísmo radical é produto do
fundamentalismo e que está “encorajada” com os sinais de humildade do papa Francisco,
embora não espere grandes mudanças. Leia alguns trechos aqui:
É comum ouvir dizer
que, ao longo da história, o monoteísmo deu impulso à violência e à
intolerância porque ele tende a ser exclusivista. A sra. concorda?
Não.
Existem fundamentalistas entre os hindus e budistas. A história mostra que
nenhuma fé consegue se transformar numa “religião mundial” se não for adotada
por um Estado ou império dinâmico e em expansão. Como os Estados são
inerentemente violentos (nenhum pode se dar ao luxo de acabar com seus
exércitos), as religiões acabam adquirindo uma ideologia “imperial”. Mas os
monoteísmos também desenvolveram uma alternativa contracultural não violenta.
As pessoas é que são violentas, e não as abstrações que chamamos de “religiões”.
[...]
Como a sra. enxerga o
movimento dos Novos Ateus, que defende que os não crentes combatam de forma
mais ativa a religião? É o sinal de um futuro cada vez mais secular?
O
Novo Ateísmo é, em grande medida, um produto do fundamentalismo religioso, o
qual tentou domesticar a transcendência de “Deus” e acabou por transformá-lo em
algo inacreditável. Mas, ao longo da história, os monoteístas, por exemplo,
insistiram que “Deus” não é um outro ser e que não podemos dizer que “ele”
existe, porque nossa noção do que é a existência é limitada demais. Na verdade,
as pessoas estão ficando enjoadas com [Richard] Dawkins [zoólogo britânico],
[Sam] Harris [neurocientista americano; ambos são expoentes dos Novos Ateus],
etc., porque eles são agressivos e intolerantes demais. Acho que a Europa está
de fato destinada a seguir o caminho do secularismo, mas os EUA continuam sendo
um país muito religioso.
Quais são suas
impressões sobre o papa Francisco?
Achei
muito encorajador quando fiquei sabendo que ele abandonou seu palácio e adotou
um estilo de vida mais simples. Mas ele ainda é conservador do ponto de vista
teológico e ético, então não espere muitas mudanças!
Vários papas, diante da
pressão pelo sacerdócio de mulheres, afirmaram que teologicamente isso seria
impossível, já que Jesus escolheu como apóstolos apenas homens. Como vê esse
raciocínio?
Eu
acho que Jesus ficaria surpreso ao ver qualquer tipo de sacerdócio no “cristianismo”.
Os primeiros cristãos achavam que os sacerdotes só existiam no paganismo e no
judaísmo; o modelo deles era mais igualitário.
Assista:
“11 de Setembro 10 anos depois”