Uma
de minhas dificuldades para com a moderna historiografia é a sua recusa em
reconhecer a superioridade da base histórica da história do Cristianismo tal
como conhecemos, bem como o fundamento histórico sobre o qual está edificada a
pessoa de Jesus de Nazaré (com esse nome, quero diferenciá-lo de todo modo desse
suposto Jesus mítico apregoado pelos críticos da fé), contraposto ao acervo de
dados de outros personagens aceitos como históricos. É argumento bem
conhecido – e nunca refutado de modo satisfatório pela História Nova – que há
maior segurança para afirmarmos a existência de Jesus de Nazaré do que a de
figuras universais como Alexandre, o Grande, personagem que permeia de modo
extenso todo o discurso dos historiadores modernos, quando delineiam as
excursões dos conquistadores gregos e a expansão da cultura helenista. Mas,
apesar de seu pretenso rigor crítico e histórico, parecem desconhecer ou buscam
ignorar que Alexandre é reconhecidamente uma figura mítica dentro da historiografia.
Há até mesmo um estudo em francês por P. Goukowsky (Essai sur les origines du mythe d’Alexandre I, 1978) que versa
sobre as lendas e mitos que se mesclaram à história de Alexandre. As informações
mais utilizadas em sua biografia vêm daquela escrita por Plutarco (46-126 d.C.),
antigo historiador grego, porém datada cerca de 200 anos após sua morte. Ali se
pode ver, como exemplo, o relato da história do nascimento de Alexandre segundo
os moldes das narrativas da infância contidos nos evangelhos canônicos. O teor
profundamente mítico é facilmente detectado na narrativa:
“Na
noite anterior à das núpcias, a noiva [de seu pai, Filipe] sonhou que, em meio
a um trovão, lhe caía um raio sobre o ventre; da chaga brotou um fogo violento,
irromperam labaredas, grassaram por toda a parte e por fim se apagaram. Filipe,
por sua vez, mais tarde, depois do casamento, sonhou que aplicava sua chancela
no ventre da esposa e a gravura da chancela, pensava, era a figura de um leão”
(Plutarco, Alexandre, 5, em: Vidas.
São Paulo: Cultrix, s/d, p. 141).
Também
demonstrando esse aspecto mítico em torno de Alexandre, em seu livro Alexandre, o Grande (São Paulo, Nova
Fronteira, 2005), obra definida como desmistificadora, Claude Mossé se pergunta:
“Qual sentido dava ao reconhecimento pelos gregos do seu nascimento divino e de
sua qualidade de theos aniketos [deus
invicto]?” (p. 87). E em seu épico hollywoodiano Alexandre, de 2004, ao buscar apresentar a história do personagem,
o diretor Oliver Stone teve que desenvolver um trabalho seletivo para a
composição de sua história, devido à enxurrada de lendas, mitos e fantasias em
torno do insigne personagem. Mesmo a morte de Alexandre ou sua causa é
claramente desconhecida. Há pelo menos cinco versões aventadas como possíveis
para ela: uns citam a malária, outros o envenenamento, outros febre tifoide,
outros encefalite virótica e há aqueles que sustentam o excesso de bebida
alcoólica. O respeitado historiador Fritz Schachermeyr chega a cogitar
leucemia.
Considerando que para os historiadores, grosso modo, Jesus foi inventado pela igreja influenciada pelos mitos da religiosidade grega, ao analisar a história de Alexandre, ao lado daquela de Jesus de Nazaré, penso que ambos mereceriam um tratamento equivalente. Enquanto que sobre Alexandre se apregoa um nascimento envolto em misticismos e toda a sua vida é um sem fim de relatos épicos e assombrosos, culminando numa morte envolta em mistérios, e nenhuma dúvida paira acerca de sua existência histórica, por que julgariam os ditos senhores da História que Jesus seria um mito inventado pelos gregos, desconsiderando a abundância de todas as fontes, mesmo aquelas alheias à história eclesiástica? Não é à toa que se tem apelado de todo modo para que os historiadores se tornem tão abertos para a pessoa de Jesus de Nazaré tal como fazem em relação às demais figuras antigas, declaradas históricas.
Também,
se não é ingenuidade, o certo é que muitos buscam ignorar que outros tantos
historiadores sérios já se confrontaram com a questão da existência de Jesus e
da história da igreja, e à parte dos milagres, muitos aceitaram como fato Sua
existência terrena. E isso não desabonou a qualificação deles como historiadores.
Um
exemplo seria aquele de H. G. Wells, um intelectual e historiador do século 19,
que, a priori, não era um cristão ao
partir para o estudo da pessoa de Jesus de Nazaré presente nos evangelhos.
Wells não acreditava em Jesus e tentou provar, lendo os quatro evangelhos, que
Jesus nunca existira e que o relato dos evangelistas estaria repleto de
mentiras, lendas e invenções dos apóstolos. Quando terminou seu estudo
aprofundado, teve que renunciar sua posição e publicou a seguinte frase: “Os
quatro evangelistas, todos eles, dão-nos um retrato de uma personalidade muito
bem definida, obrigando-nos a dizer: este homem existiu.”
Em
sua obra definida como extraordinária, História
Universal, em nove volumes (publicada originalmente sob o título The Outline of History: Being a Plain
History of Life and Mankind, em dois volumes), ele afirmou: “A despeito das
adições miraculosas e inacreditáveis, é-se obrigado a reconhecer: ‘Era
realmente um homem. Essa parte da história não podia ter sido inventada” (v. V,
p. 184).
Na
mesma linha de Wells, existem outros, embora falte espaço para considerá-los. A
convicção da existência de um Jesus Histórico descansa na objetividade de uma
análise sem preconceitos, senão aquele contra a fraude e o engano possíveis a
tantos que pretendem decifrar a História, mais que apresentá-la. Fato bem ao
contrário dos céticos radicais é aquele ocorrido com Randall Niles
(jurisconsulto e educador norte-americano, autor de centenas de artigos
apologéticos e das obras The Great
Pursuit e What Happened to Me),
que no passado era um cético, crítico e um debochado praticante do ateísmo.
Todavia, após verificar a extensão de dados acerca de Jesus na História, não teve
receio algum em reconhecê-Lo como uma pessoa real, aceitando a fé cristã como
opção de vida. Randall então percebeu que as narrativas históricas não cristãs
de Cornélio Tácito, Flávio Josefo, Plínio o Jovem, Suetônio, Mara Bar-Serapião,
os escritos (extremamente imparciais) de Luciano de Samosata e até mesmo do
Sinédrio judaico reivindicam a pessoa de Jesus para os dias do primeiro século
d.C. Randall descreve sua experiência:
“Além
dos nove autores do Novo Testamento que escreveram sobre Jesus em narrativas
distintas, achei pelo menos vinte autores cristãos primitivos, quatro escritos
heréticos e sete fontes não cristãs que fazem menção explícita de Jesus – todas
com menos de 150 anos depois da vida dEle. Isso equivale a um mínimo de 40
autores e todos mencionam explicitamente Jesus e a expansão de um movimento
espiritual em nome dEle. Temos mais autores que mencionam Jesus Cristo dentro
de 150 anos depois de Sua vida do que sobre o imperador romano que reinou
durante aquela mesma época. Os estudiosos têm conhecimento de apenas dez fontes
que mencionam o imperador Tibério, naquele mesmo período, incluindo Lucas,
Tácito, Suetônio e Veleio. Assim, dentro desse curto espaço de tempo, o número
de escritores primitivos que mencionam Jesus supera aqueles que mencionam o
líder do Império Romano inteiro (na verdade, o mundo antigo daquela época) por
uma proporção de 4:1” (http://www.randallniles.com/fuel.htm)
A
conclusão mais acertada é que a figura de Jesus é tão historicamente confiável
quanto a de Tibério, imperador romano de Seu tempo, citado por Lucas em seu
evangelho (cf. Lucas 3:1ss). Mas se a moderna Historiografia não aceita essas
evidências e testemunhos, isso se deve, em grande parte, a um preconceito, e
tão somente a isso. Ou então, em sua análise da História Universal e seus
muitos personagens, sua fé é maior que a dos cristãos. Nesse sentido, creio que
de fato eles são mais crentes que muitos de nós cristãos.
Não
fosse uma análise evidentemente tendenciosa, penso que, apesar dos dados
extraordinários nos relatos de suas vidas, tanto Jesus quanto Alexandre
poderiam ser elevados à mesma categoria de pessoas históricas, o que
infelizmente os céticos historiadores não contemplam em seus estudos. E isso,
por si só, demonstra a sutileza de sua argumentação tendenciosa. E isso também
nos deixa ver o verdadeiro motivo por trás de seu ceticismo.
A questão não são as fontes; todo o problema é Jesus de Nazaré, com quem os sábios deste mundo em absoluto desejam um encontro definitivo.
A questão não são as fontes; todo o problema é Jesus de Nazaré, com quem os sábios deste mundo em absoluto desejam um encontro definitivo.
(Claudio Soares Sampaio,
Crendo e Compreendendo)
Leia também: "Jesus Cristo: um plágio?" e "Jesus e a mitologia pagã"
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