[O
artigo a seguir, escrito por Agatha Lemos, André Lóia, Cleber
Marchini, Flávio Oak e Isaque Siqueira, é outro dos bons trabalhos produzidos
para minha matéria de Criacionismo Bíblico, na pós-graduação em Estudos
Adventistas e Teologia. Leia também o outro, que publiquei na semana passada. O
destaque aqui vai para o ótimo infográfico criado pelo designer Flávio e
escrito pela jornalista Agatha. Clique nele para vê-lo ampliado]
As
evidências da semana da criação como evento literal podem ser
encontradas na Bíblia, sendo aceitas pela fé, mas também podem ser observadas em fatos histórico-científicos que deixam margem para a compreensão literal do
relato bíblico. Se, por um lado, não há indícios que apontem com mais concretude há
quanto tempo o universo foi criado; por outro, o livro de
Gênesis oferece informações relevantes a respeito da
literalidade da criação da vida na terra em seis dias.
Para
a grande maioria pertencente à comunidade científica, a criação dos seres se deu a partir de milhões de
anos, com macromutações que levaram os seres menos complexos a evoluírem, tornando-se mais complexos com o passar de longas épocas.
Chama
a atenção também o fato de que
não
é apenas
o campo científico
que vê com descrédito a criação
descrita na Bíblia,
mas até mesmo teólogos cristãos interpretam a história
de Gênesis como um conto de fundo moral sobre a obediência. Outros
creem na criação divina, contudo, em uma criação que ocorre por meio de eras
evolutivas.
São muitas as correntes de pensamento quando o assunto é a
origem da vida e das espécies. Até mesmo para os que entendem haver um projetista por trás de tamanha variedade de seres, pode não haver consenso
sobre a criação em seis dias literais.
Para
os que creem na fidedignidade do livro de Gênesis, é possível, com estudo acurado, fundamentar sua crença por meio
de elementos-chave. A estrutura narrativa, por exemplo, reúne muitos deles.
Uma leitura apressada não permite a observação de
diferenciais textuais que compõem o corpo de evidências da literalidade do relato do
primeiro livro da Bíblia. Estudiosos como Richard
Davidson afirmam que o gênero literário de Gênesis 1 e 2 não fornece elementos para que a
narrativa seja tomada como simbólica, metafórica ou mesmo meta-histórica. Ao contrário, o autor do primeiro livro da Bíblia apresenta intencionalidade ao
escolher determinadas palavras, as quais também já
foram usadas em outros trechos bíblicos com a função de ratificar a literalidade do evento.
“A estrutura
literária de Gênesis como um todo indica a natureza literal das
narrativas da criação como sendo intencional. É amplamente reconhecido que todo
o livro está estruturado
segundo a palavra hebraica toledot (gerações,
história), em ligação com cada seção do livro (13 vezes). Essa
palavra, em outro lugar das Escrituras, é usada no registro das genealogias
com relação à contagem precisa de tempo e história”
(DAVIDSON, 2011, p. 5).
Outras
evidências também apresentadas por Davidson (2011) têm que ver com a
expressão que aparece ao final de cada descrição criativa: “tarde e manhã”, que “define claramente a natureza dos ‘dias’ como períodos literais de 24 horas” (IBIDEM).
Além disso, ao
citar a palavra “dia”
(no hebraico yôm) em cada um dos seis dias da criação, o autor de Gênesis trabalha
com a ideia de número ordinal. Ele trata a sequência da criação como primeiro dia, segundo dia, e assim
por diante até o sexto dia.
No
entanto, autores como John C. L. Gibson argumentam que “se entendermos “dia” como equivalente a “época”
ou “era”, poderemos pôr a sequência da criação, apresentada no capítulo 1, em conexão com os relatos da moderna teoria da
evolução, e assim caminhar um pouco no sentido da recuperação da reputação da Bíblia em nossa era científica ... Tanto quanto este argumento inicie uma tentativa
de ultrapassar o sentido literal, atribuindo à semana
da criação o sentido de uma parábola, com uma duração muito mais extensa, isso será
digno de elogios” (GIBSON,
1981, p. 56).
Já o alemão Hansjörg Bräumer (1983) afirmou que o dia da criação não poderia ser a mesma unidade de tempo que medimos,
hoje, pelo relógio.
A isso ele atribui a falta do Sol, que apareceria somente no quarto dia. Bräumer (Idem) se apega ao fato também de que para Deus o tempo é relativo, isto é, um dia divino pode corresponder a
mil anos. Dessa forma, o teólogo acredita que é possível entender o relato da criação dentro da cosmovisão evolucionista, num ritmo de milhões
de anos.
Para o criacionista progressista Stuart Briscoe (1987), é razoável interpretar a palavra “dia” (yôm) como um período de eras e não como um único dia literal.
“O
naturalista fala convincentemente em termos de milhões de anos e eras
evolutivas, enquanto o crente na Bíblia olha para os seis dias e fica perplexo, sem saber o
que fazer ... Não é absolutamente irrazoável crer que “dia”
(em hebraico yôm), que pode ser traduzido literalmente como “período”, refira-se não a dias literais, mas a eras e épocas em que a
obra criadora de Deus estava sendo realizada” (Briscoe, 1987, p. 37).
Davidson (2011),
todavia, rebate tais posicionamentos alegando que a palavra “dia”
(yôm) aparece 359 vezes na Bíblia, demonstrando intertextualidade
de termos temporais específicos. Em todas as ocorrências, faz-se referência a dias literais. O próprio Jesus, aponta Davidson, e todos
os escritores do Novo Testamento recorreram ao Gênesis, atribuindo-lhe sentido
literal. O quarto mandamento, das tábuas da Lei (Êxodo 20:8-11), também é escrito em forma comparativa e equivalente à semana da criação, ou seja, só há sentido guardar o sétimo dia da semana – o
sábado – se a semana foi criada literalmente
em seis dias de 24 horas.
Stambaugh
(1991) e outros estudiosos bíblicos, como Hasel e Fretheim, concluem que Gênesis 1 expressa
a ideia de dia literal de maneira irrefutável. “Deus criou uma série de seis dias consecutivos, de
[aproximadamente] vinte e quatro horas.”
Muitos outros pressupostos poderiam ser mencionados, como
as características extremamente peculiares do
relato de Gênesis. Contrariando as crenças da época e da região do autor, ele abre o
livro dizendo que houve um princípio, ou seja, o mundo não era cíclico,
como se cria há mais de quatro mil anos. O
reconhecimento de um só Deus – Deus esse independente e criador da
própria natureza, Deus sujeito e supremo
capaz de criar a partir do nada – difere completamente da mitologia
prevalecente dos povos do Oriente Próximo (politeísta) a respeito da origem da vida.
Ademais,
a sequência lógica
que Deus estabeleceu para o mundo natural, em que os elementos iam sendo
criados segundo a demanda da próxima criação, aponta para a literalidade dos fatos. Deus
primeiro separou a água da porção seca, por exemplo, para depois povoá-los com animais, pois o contrário não
seria possível.
A importância da literalidade do relato da
criação para a teologia bíblica e para os adventistas
Se o
relato da criação não
é literal,
mas metafórico, que segurança a teologia bíblica teria de que todo o restante é confiável? Se os capítulos um e dois de Gênesis são apenas simbólicos, como saber se
o capítulo três também
não se trata de mera ilustração?
Se
Deus usou processos evolutivos para dar origem à existência das espécies, seja do
mundo vegetal, como do animal, a morte já faria parte desse processo? Se a morte foi estabelecida
pelo próprio Deus, em um sistema de seleção natural, em que
sobrevive o mais apto, então a morte deixa de ser consequência pelo
pecado?
Se a
morte não
é consequência do pecado,
por que Deus Se faria homem (Jesus) e morreria pela humanidade “caída”? Se Jesus não
morreu pelos pecados da humanidade, Ele seria realmente Deus? Ele
ressuscitaria? Ele voltaria, segundo Sua promessa?
Observa-se
com tais questões que todo o esquema bíblico-teológico desmorona quando
a criação de Gênesis 1 e 2
deixa de ser encarada como um fato literal. Sendo assim, Jesus perde a
centralidade e funcionalidade que a Bíblia Lhe confere do primeiro ao último livro.
“No
fluxo canônico
geral das Escrituras, por causa da ligação inseparável
entre a origem (Gn 1-3) e o fim dos tempos (Ap 20-22), sem um começo literal, não há um fim literal. Além disso, pode-se argumentar que
as doutrinas da humanidade, pecado, salvação, juízo, sábado, e assim por diante, já apresentadas nos capítulos de abertura de Gênesis, todas
dependem da interpretação literal das origens” (Klingbeil, 2015, p. 19).
No que diz respeito aos adventistas do sétimo dia, isso tem ainda mais
implicações. Sem a crença da criação em seis dias literais, toda a doutrina
professada seria desconstruída. O “povo do advento” estaria esperando pelo advento de quem? E que sentido
haveria de ter o sétimo dia
como dia separado? Por que guardar os mandamentos, se eles são apenas figurativos,
bem como toda a Bíblia?
Além disso, os
relatos da criação, conforme estão descritos em Gênesis 1-3,
enfatizam o caráter de Deus sob três importantes aspectos: Seu amor (por criar), Sua justiça
(por permitir que as consequências das escolhas de Adão e Eva recaíssem sobre eles) e Sua misericórdia
(ao providenciar redenção por meio do unigênito Jesus).
A partir do momento em que a Bíblia deixa de ser autoridade máxima, a graça recebida pelos méritos substitutivos de Jesus perde
todo seu valor. Reconhecer o relato de Gênesis 1-3 como literal está intimamente ligado ao senso de adoração Àquele que fez, que faz e que fará.
A
relação entre a literalidade do relato bíblico da criação e as três
mensagens angélicas de Apocalipse 14
As três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-9 têm uma função bem definida do ponto
de vista escatológico. Contudo, elas apresentam outros elos que remetem à literalidade do relato da criação.
“E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno...” Que evangelho é esse? O evangelho significa as boas-novas da salvação. A salvação só é ofertada por Deus porque o homem peca, segundo Gênesis 3, portanto, a justificação pela fé depende da crença na criação literal. Jesus, nosso substituto pela fé, veio salvar o homem que cometeu pecado no Éden de Gênesis.
“Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque vinda é a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas.” Temer, dar glória e adorar ao Criador de toda a existência, dos seres animados e inanimados. A exortação de Apocalipse 14 só é possível se o relato de Gênesis 1-3 for literal, pois é nas primeiras páginas da Bíblia em que Deus é denominado Criador. A relação entre o juízo e a criação também se tornam evidente porque quem criou pode julgar, bem como redimir.
“Caiu, caiu Babilônia, aquela grande cidade, que a todas as nações deu a beber do vinho da ira da sua prostituição.” A profecia aponta que ruirão a mentira e o engano acalentados por denominações religiosas. Quando mesmo as igrejas cristãs substituem a autoridade bíblica, trocando-a pela tradição, isso significa que a literalidade da Palavra é preterida e, nesse caso, a criação também deixa de ser um evento real para ser apenas uma figura de linguagem com fins instrutivos.
“E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a sua imagem, e receber na sua testa, ou na sua mão...” A adoração é a grande questão desde o Gênesis. Apocalipse retoma o tema, trazendo à tona a marca da besta (falso sábado) e fazendo uma advertência a quem aderir a ela. O descanso celebrado no falso sábado (domingo), por exemplo, pretende tirar a validade do relato da criação, quando Deus usa seis dias para criar e descansa, separa e abençoa o sétimo dia como memorial das Suas obras. A maneira mais eficaz de descaracterizar a criação literal em seis dias é pisar sobre o sétimo dia da semana, o verdadeiro sábado. É por isso que a marca da besta reflete a essência do grande conflito, isto é, a quem se deve adorar.
Referências:
ALMEIDA, J. F. Bíblia, tradução Revista e Corrigida.
BRÄUMER, Hansjörg. Das erst Buch Mose. Wuppertaler Studienbibel, Kapitel, 1-11 (Wuppertal: R. Brockhaus
Verlag, 1983), 44.
BRISCOE, D. Stuart. Genesis, The Communicator’s Commentary (Waco, TX: Word Books, 1987),
37.
DAVIDSON, Richard M. Diálogo 22 (2011) 5-8. “Criação e dilúvio
global: relato literal ou alegórico?”
GIBSON, John C. L. Genesis, The Daily Study Bible, vol. 1 (Edinburgh: The Saint
Andrews Press, 1981), 56.
HASEL, Gerhard F. “Dias
literais ou períodos de tempo figurados?” Revista
Criacionista nº 53. http://www.revistacriacionista.com.br/artigos/FC53_diasLiterais.asp.
Acesso em 08/03/2016.
KLINGBEIL, Gerald A. He
Spoke and It Was: Divine Creation in the Old Testament V1, 2015.
STAMBAUGH, James. “The
Days of creation: A semantic approach”, CEN
Technical Journal 5, nº 1 (1991).