Diversificação de baixo nível |
Nos últimos anos, no meio
criacionista, a utilização de um termo tem chamado a atenção, e particularmente
tem me deixado incomodado. Trata-se da palavra “microevolução”. A análise e o uso
dessa palavra, o significado do termo, podem nos levar ao contraditório, como
veremos a seguir.
“Micro” (milésima parte do
milímetro, segundo o Dicionário Aurélio) provém da palavra grega mikros e significa pequeno; “evolução”
(transformação gradual e progressiva, aperfeiçoamento, crescimento, segundo o
Aurélio) conjunto de modificações em direção a um determinado sentido, que
remete a um desenvolvimento gradual e progressivo. Literalmente micro + evolução
= evolução em pequena escala. Mas realmente é isso que os criacionistas querem
dizer?
Os principais problemas do uso
desse termo:
1. Pouco utilizado no meio evolucionista brasileiro. Participo de
alguns eventos ligados ao debate criacionismo x evolucionismo, além de
acompanhar alguns sites que debatem o assunto com diferentes perfis
ideológicos. O termo microevolução basicamente é utilizado em materiais
criacionistas (o próprio Michelson explica por que o termo é de baixo uso entre
os evolucionistas: confira).
2. O significado do termo não é de tão fácil explicação.
Microevolução é a ocorrência de mudanças evolutivas em pequena escala, como as
mudanças de frequências gênicas dentro de uma população, ao longo de um número
reduzido de gerações. E essas alterações acontecem ao nível ou abaixo do nível
taxonômico da espécie. Os processos microevolutivos se devem a quatro diferentes
processos: mutação, seleção natural, deriva genética e fluxo gênico (migração).
Ou seja, para realmente compreender e explicar o termo de maneira clara e
objetiva, o indivíduo deve possuir um conhecimento básico sobre genética,
populações e taxonomia.
3. A mutação e a seleção natural levam a uma evolução? Existem
diversas instituições e organizações (sociedades criacionistas, etc.) que
debatem esse assunto, com maior propriedade e profundidade. Algumas
considerações apenas: como engenheiro agrônomo, utilizo o melhoramento genético
(não considerarei a transgenia), as leis de Mendel, na busca de variedades mais
produtivas. Quando em uma determina espécie (milho, por exemplo) ocorre o
cruzamento dos indivíduos para a criação de uma nova variedade, procuram-se
indivíduos que expressem características de interesse agronômico, como tamanho
de espiga, peso de grãos, resistência hídrica, resistência a doenças.
Normalmente, esses indivíduos perdem outras características. Exemplo: uma
variedade altamente produtiva pode ser mais sensível a determinadas pragas e
doenças, ou ser mais sensível ao déficit hídrico, ou não possuir a melhor
morfologia para a atividade agrícola. O melhoramento genético não está
evoluindo essa espécie, apenas adaptando os indivíduos a um determinando
ambiente altamente competitivo e para um fim especifico (a produção). Esse
raciocínio vale tanto para a produção vegetal quanto animal. No ecossistema,
também ocorre a seleção dos indivíduos mais aptos a sobreviver nos diferentes
ambientes. Logo, não ocorre evolução, mas, sim, adaptação.
4. Ipsis litteris. O
significado (ou, segundo o Aurélio, o “sentido”, ou “aquilo que uma coisa quer
dizer”) do termo. Como citado anteriormente, microevolução = evolução em
pequena escala. Os criacionistas acreditam que está ocorrendo essa evolução?
Acredito que não! No ambiente de debate que permeia os assuntos sobre
criacionismo e evolucionismo, que muitas vezes beira ao passional, os termos
utilizados devem ser claros, e preferencialmente objetivos, para não dificultar
a relação e o entendimento de indivíduos que creem em visões opostas de
mundo/filosofia.
5. O fator teológico. Os criacionistas que creem no relato literal
da criação bíblica em sete dias (ex.: adventistas) acreditam que Deus criou tanto
o mundo quanto o ser humano perfeitos, e o pecado degenerou (e ainda está
degenerando) o homem e a criação. O ser humano e o planeta Terra só serão
restaurados após o retorno de Jesus Cristo. Então, como pode haver evolução
(mesmo em pequena escala, ou evolução horizontal e não vertical), se ocorre a
degeneração pelo pecado?
Outro ponto a ser considerado é em
relação aos membros leigos – um individuo que não tem o conhecimento acadêmico
adequado pode acreditar que determinada denominação religiosa que anteriormente
tinha o criacionismo como uma de suas crenças agora aceita a teoria evolucionista.
A ciência se desenvolve, mudam-se as
nomenclaturas, as definições, etc., mas realmente o termo microevolução tem
levantado mais dúvidas e dificuldades do que os termos utilizados anteriormente
para o mesmo fim.
Devido aos problemas citados acima,
defendo que se faça a substituição desse termo por outras expressões técnicas,
como, por exemplo, ADAPTAÇÃO, VARIAÇÕES BIOLÓGICAS ou DIVERSIFICAÇÃO DE BAIXO
NÍVEL, expressões que já são utilizadas na literatura acadêmica e que são de
fácil compreensão, e são aceitas pela comunidade científica.
(Jetro
Salvador é doutor em Produção Vegetal e mestre em Ciência do Solo. Gerência de
Apoio Técnico, Agência de Defesa Agropecuária do Paraná – ADAPAR)