quinta-feira, setembro 24, 2009

Cristãos no mundo pós-moderno

A pós-modernidade (termo surgido por volta da década de 1930, mas que ganhou amplitude a partir da década de 1970) trata-se de um questionamento da Idade Moderna. Para se entender o pensamento pós-moderno, é preciso vê-lo no contexto do mundo que o deu à luz, ou seja, o mundo moderno. Segundo muitos historiadores, esse período histórico nasceu no alvorecer do Iluminismo, ou mesmo antes, na Renascença, que elevara a humanidade ao centro da realidade. Foi um momento de grande otimismo, com o fortalecimento da ideia de que o ser humano poderia dominar a natureza se descobrisse os segredos dela. A religiosidade medieval teocentrista deu lugar à “religião natural” que, depois, acabou substituída pelo racionalismo cético. Acreditava-se que o conhecimento era preciso, objetivo, bom e acessível à mente humana. Assim, a felicidade repousava sobre os avanços científicos e tecnológicos (imprensa, pólvora, caravelas, motores...). Até que eclodiram as duas guerras mundiais.

A desilusão tomou conta da humanidade. “Ao evitar o mito iluminista do progresso inevitável, o pós-modernismo substitui o otimismo do último século por um pessimismo corrosivo”, afirma Stanley J. Grenz, em seu livro Pós-Modernismo (Vida Nova), p. 20. Não se tem mais certeza de que a mente humana possa organizar a realidade de maneira coesa. O que ocorre a partir daí é um “duelo de textos”, verdades relativas, pontos de vista distintos. Começam os questionamentos na área da Linguística e desconstrutivismo. As emoções e a intuição – substituindo a tão valorizada razão – passam a ser vistas como caminhos válidos para o conhecimento, que é sempre incompleto e relativo. Impera a crença no fim da verdade absoluta. O conhecimento é substituído pela interpretação. Para Jean-François Lyotard, pós-moderno é a “incredulidade em relação às metanarrativas”, ou cosmovisões (weltanschauung).

O Übermensch (super-homem) de Nietzsche (filósofo considerado precursor do pós-modernismo) se revelou frágil, e com a morte da ideia de Deus, a humanidade mal se deu conta (embalada ainda pela euforia de progresso modernista) de que morria junto a família, a moral e a esperança. Mas como viver sem esses valores?

Os pós-modernos correram para as prateleiras dos supermercados da fé na tentativa de preencher o vazio da alma com “modismos espirituais”. Como se distanciaram da crença bíblica, passaram a adotar no lugar dela (no lugar do vazio espiritual) todo tipo de irracionalismo. Ao passo que negam a historicidade de Jesus (para não dizer a divindade dEle), acreditam em duendes, cristais, Nova Era... Ao mesmo tempo em que rejeitam a fé tradicional (graças aos resquícios do pensamento iluminista dos quais talvez nem se deem conta), abraçam crendices sem fundamento racional algum. (Aliás, o próprio Jesus é esvaziado e o cristianismo se torna irracional e místico.)

Assim, de um lado está a multidão espiritualmente desnorteada tentando encontrar/escolher uma crença que lhe dê maior satisfação (numa aplicação espiritual do pensamento consumista), e, de outro, mas em menor número, os herdeiros do Iluminismo/Naturalismo, os neoateus e céticos, colocando no mesmo “saco” todo tipo de crença. Onde os cristãos – e particularmente os adventistas – se inserem nesse contexto?

Resistentes que são às verdades reveladas e às instituições religiosas, os pós-modernos precisam ver na vida dos cristãos a diferença e a relevância que eles afirmam encontrar no evangelho. Precisam ver que ainda existe esperança, mas que ela não vem da humanidade; vem do alto. Apenas o evangelho vivido sincera, genuína e experimentalmente na vida dos cristãos poderá atrair os desesperançados e desesperados pós-modernos, sempre em busca dos prazeres, do consumismo e das experiências místicas que, na verdade, só fazem aumentar o vazio existencial.

A Igreja Adventista nasceu num contexto moderno. Mas não podemos ser nostálgicos a ponto de querer retornar à modernidade. Temos que pregar o evangelho no contexto em que estamos inseridos, e esse é o pós-moderno. A apologética ainda tem o seu lugar, tendo em vista que os que desafiam as bases racionais da fé (os herdeiros do Iluminismo) continuam por aí. Por isso, os cristãos devem se valer de todos os meios possíveis para divulgar a superioridade da Bíblia Sagrada, aproveitando-se dos poderosos recursos da era da informação. Mas nunca é demais lembrar que isso não basta para o pós-moderno.

A modernidade destronou a Revelação e colocou em seu lugar a razão como árbitro da verdade – daí ser necessário, sim, usar a razão para chamar atenção à Revelação. Mas o pós-modernismo minimiza a ambas – a Revelação e a razão – e adiciona a intuição e o sentimento. E isso não é ruim, pois, na verdade, a cosmovisão cristã ultrapassa os limites da razão humana, avançando nos domínios do sobrenatural e da fé. “Além disso, os cristãos assumem uma postura cautelosa e até mesmo desconfiada em relação à razão humana. Sabemos que em decorrência da queda da humanidade, o pecado é capaz de cegar a mente humana. Estamos conscientes de que a obediência ao intelecto, às vezes, pode nos desviar de Deus e da verdade” (Pós-Modernismo, p. 237).

Se quisermos alcançar os pós-modernos, temos que ir além da mera proclamação racional da verdade. Temos que nos relacionar e mostrar a relevância prática do evangelho. Só assim as pessoas poderão ser convencidas de que, afinal, o estilo de vida proposto por Deus é o único que oferece verdadeira esperança. Vendo na vida dos cristãos a felicidade, a harmonia, a saúde, a paz – valores buscados por todos –, muitos se convencerão de que a cosmovisão bíblica não faz sentido apenas para os cristãos, mas que se trata de boas-novas para todos. Além disso, é preciso – com todo tato e respeito – mostrar as incoerências (além das potencialidades) do pós-modernismo e a impossibilidade de ajustá-lo ao dia a dia.

O projeto iluminista favoreceu o dualismo “mente” e “matéria”. A nova geração, no entanto, está cada vez mais interessada na pessoa como um todo. Os adventistas, em especial, podem dar sua contribuição apresentando a visão holística que têm do ser humano e a importância que dão à saúde e a educação integrais, ou seja, valorizando os aspectos físico, mental, espiritual e social, exatamente como Jesus fez durante Seu ministério terrestre.

Como os pós-modernos valorizam a vida em comunidade, podemos nos valer de recursos como os pequenos grupos e mesmo as tradicionais reuniões de culto (com algum tipo de reformatação, mas sem descambar para o emocionalismo neopentecostal) para mostrar que concordamos com a ideia de que os indivíduos se aproximam do saber por meio de uma estrutura cognitiva mediada pela comunidade da qual participam, que também é essencial para a formação da identidade. Na verdade, devemos deixar claro que o conceito de comunidade é extremamente valorizado nas Escrituras.

Embora entendamos que os princípios da Palavra de Deus não devam ser adaptados convenientemente às convenções e aos padrões humanos, é importante compreender o zeitgeist reinante a fim de que a proclamação do evangelho seja tornada relevante para as pessoas que vivem neste momento histórico.

Michelson Borges