terça-feira, junho 21, 2016

O funk e o estupro coletivo da menina no Rio

Cultura da decadência
Letras que saem de bailes funk e vão parar em inquéritos policiais não são novidade na carreira de MC Smith, de 29 anos. Autor da música “Vida bandida”, o cantor chegou a ser preso em 2010, acusado de apologia ao tráfico. [Semanas atrás], seu funk “Mais de 20 engravidou”, popular em bailes no Rio há alguns anos, foi citado no vídeo que mostra o estupro coletivo da jovem de 16 anos na cidade, segundo o advogado de um dos suspeitos. Ele disse ao G1 que nunca fez apologia a nenhum crime. “Eu sou um jornalista, sou um repórter musical. Eu falo o que acontece na comunidade”, diz. O discurso é o mesmo de seu novo livro, Acabou o Esculacho (Ed. Letras e Ideias), em pré-venda, sobre os dez anos de carreira no funk. MC Smith não é investigado no caso do estupro da jovem. Mas sua música “Mais de 20 engravidou” apareceu no inquérito quando o advogado de Lucas Perdomo Duarte Santos, apontado como namorado da jovem, disse que a menção no vídeo de que 30 homens teriam praticado ato sexual com ela era uma referência a “um rap conhecido na comunidade”. “Essa aqui mais de 30 engravidou”, diz um dos homens na filmagem do estupro. O advogado argumentou que a música foi citada sem que houvesse realmente 30 homens no local. A polícia confirmou que houve o estupro coletivo, mas ainda investiga quantos participaram do crime [o número já foi divulgado: sete].

“Mais de 20 engravidou” fala de um homem “sinistro” que “não se intimida com as novinhas”, já engravidou várias delas e “se mexer com ele vai ficar de barriga”. O MC diz que “Mais de 20 engravidou” surgiu em 2008. “Tinha um morador da comunidade, que já morreu, Seu Joaquim. Antigamente era igual na roça, a galera não tinha TV e fazia outras coisas. E daí o cara tinha filho pra caraca. Ele teve 27 filhos. A música foi feita em cima da história do seu Joaquim. Ele era curandeiro do Morro do Caracol no Complexo da Penha.”

O cantor usa o mesmo argumento de “narrar a realidade” ao negar que este e outros funks feitos por ele podem incentivar a visão de mulheres só como objeto sexual e a violência contra elas. Em “Mulher levanta nóis, mas também derruba”, ele canta: “Entra pra dentro de casa quando o bloco passar / Se eu te pegar na rua, garota, vou te amassar.” “Conflitos penetrantes” diz: “Nós vai enguiçar essa galinha / Ah, mó galinha mesmo.” O MC diz fazer esses funks para “mostrar que o crime da violência contra a mulher existe”, sem incentivá-lo. “Eu estou falando o que acontece, que os caras tratam a mulher mal. Os caras batem na mulher, falam para mulher que se saírem de casa vão dar um soco na cara. Isso é legal? Não”, diz MC Smith. “Sou contra a violência contra a mulher. Se eu vir alguém bater numa mulher, pego o cara de porrada”, completa. [...]


Nota: É muita hipocrisia! É óbvio que esses funks contribuem para alimentar a ideia de que mulher é apenas um objeto sexual. É óbvio que esses funks incentivam a violência, não apenas a “retratam”. Se esses funkeiros são contra a violência e a objetificação feminina, por que não compõem “músicas” que enalteçam a paz e a mulher? Décadas atrás, músicas populares diziam coisas como: “Te amo, Espanhola / Te amo, Espanhola / Se for chorar / Te amo” (Flávio Venturini e Guarabyra); ou: “Senhorinha, moça de fazenda antiga, prenda minha / Gosta de passear de chapéu, sombrinha / Como quem fugiu de uma modinha. [...] / Será que ela quer casar / Será que eu vou casar com ela / Será que vai ser numa capela / De casa de andorinha. [...] / Será que eu vou subir no altar / Será que irei nos braços dela / Será que vai ser essa donzela / A musa desse trovador / Ó prenda minha, ó meu amor / Se torne a minha senhorinha” (Guinga e Paulo César Pinheiro). Quanta diferença! Que decadência! De “senhorinha” a “cachorra”! Infelizmente, o tempo da boa música e dos bons costumes ficou no passado. Agora temas exportado lixo em forma de música. E o Brasil tem sido conhecido por essa decadência que alguns chamam de “cultura”. O funk, assim como as drogas, desceu do morro. Grã-finos e socialites bebem da fonte; buscam drogas lá e levam junto as “músicas” que rebaixam suas filhas. O funk vem sendo tocado até em colégios frequentados pela classe média e rica. (Fique claro, aqui e agora, que não estou generalizando, pois há muita gente boa, honesta e valorosa nas comunidades em que o crime domina. São verdadeiros lótus no meio do pântano.) [MB]